Ao chegar a uma grande empresa para assumir a área de Engenharia do Trabalho, Pedro (nome fictício, assim como os demais citados abaixo) percebeu, como ele mesmo definiu, a existência de uma grande “animosidade”, entre a sua nova equipe e a área de Medicina do Trabalho.
Ao invés de um trabalho de parceira, cada uma das áreas culpava a outra por não atingir as próprias metas e os indicadores de redução de acidentes. O clima estava muito tenso e as acusações mútuas acabavam comprometendo a performance do Departamento de Saúde e Medicina do Trabalho, para o qual ambas respondiam.
Quanto mais as acusações cresciam, tanto menos as áreas se preocupavam com o trabalho realizado e, consequentemente, com a qualidade das entregas. Pedro, de início, tentou encontrar uma solução, mas como resposta ouviu: “O problema não é meu”, “Não vou facilitar a vida de vocês” e “Vou fazer do meu jeito”, entre outras frases desanimadoras.
Foi quando ele me contratou para mediar o conflito existente ali, acreditando que um profissional especializado e neutro teria maiores possibilidades.
Comecei o processo entrevistando Pedro e Raul, seu par e gestor da área de Medicina do Trabalho. Enquanto o primeiro, que acabara de chegar, queria realizar um bom trabalho e mudar o clima, o segundo, como já não havia se dado com o antecessor de Pedro, estava mais cético e irritado com o cenário todo. Mas, felizmente, não era refratário às tentativas de melhorar o ambiente.
A partir das algumas entrevistas, desenhei um Workshop de dois dias, pois precisaria de tempo para “desconstruir” os preconceitos e convidar as pessoas a refletir sobre alguns conceitos relacionados à dinâmica dos conflitos. Assim, as equipes poderiam ampliar a visão sobre a situação que viviam e encontrar caminhos para mudar aquelas relações quase inexistentes.
Para isso, propus alguns exercícios e vivências, buscando criar um campo de conversa, no qual seria possível abordar a situação. De todo o processo, uma atividade foi muito especial. As pessoas trabalharam em duplas, buscando:
1 – Compreender “como outra pessoa pensa”;
2 – Como as próprias atitudes impactavam “a área da outra pessoa”;
3 – O que cada pessoa sentia nesse cenário, quais eram os entraves que prejudicavam a convivência e o que cada pessoa precisava mudar em si mesma para criar um ambiente de conversas e trocas.
Além desse, vários exercícios foram aprofundando as reflexões individuais e coletivas.
Ao final do primeiro dia, fomos surpreendidos (ou não...) por falas como: “Nunca tivemos a chance de nos escutarmos uns aos outros, sequer nos conhecíamos...” e “Eu nem imaginava que vocês passassem por situações como as que ouvimos aqui”. Enfim, as equipes reconheceram que brigavam, há anos, sem jamais se darem uma chance de diálogo.
No segundo dia, quando as pessoas trabalhavam em pequenos grupos, com o objetivo de chegar a um consenso sobre um tema proposto, o clima esquentou: o grupo liderado por Antônio – um dos colaboradores mais antigos da empresa, que exercia uma influência bastante grande nos colegas - não conseguia chegar a um consenso.
Resolvi, então, me aproximar para conversar com Antônio, buscando entender como o processo estava funcionando e se o grupo precisava de algum apoio. Das seis pessoas, cinco tinham clareza de que desejavam a mesma coisa, somente Antônio não concordava com os demais. Ele não deixava as pessoas argumentarem, tentando provar, por A+B, que estava certo.
Então, sugeri: que tal você suspender um pouco seu ponto de vista e se dedicar a escutar as pessoas por alguns instantes, para compreender o ponto de vista deles? Contrariado, ele nem me respondeu. Se levantou e deixou o grupo trabalhando sozinho – concluindo o exercício.
Depois de um intervalo, reuni todos os participantes para uma conversa em círculo para trabalharmos os acordos e próximos passos. Em conjunto, o grupo foi estabelecendo caminhos para acabar com a disputa e a total falta de cooperação entre as equipes e, também, como avançar em busca de processos para que as duas áreas alcançassem suas metas e especialmente que se apoiassem, afinal eram bastante interdependentes. O Workshop foi avançando com boas perspectivas.
Ao final, quando todos tinham clareza dos próximos passos, propus uma rodada final de avaliação. E, para minha surpresa, Antônio foi um dos primeiros a levantar a mão. Disse:
- Eu me dei conta que a minha impaciência e a minha intransigência se devem ao fato de que estou muito cansado. Não quero mais trabalhar, já devia ter me aposentado. Quero ir para o Interior, não quero mais essa vida para mim. E, ao me dar conta disso, percebi que eu estou criando entraves para todos vocês.
Sua fala surpreendeu a todos. E precisei de um tempo para entender que ela resultava de um processo de reflexão que teve início, provavelmente, nos primeiros momentos do Workshop e, especialmente, quando ele se afastou do grupo. As pessoas se manifestaram, dizendo que ele era importante para a área e, também, para a empresa. Foram muito generosas pontuando sua importância. Depois de uns oito meses, eu soube que ele realmente se aposentou.
Desde então, já contei essa história em vários Workshops. Para mim, sua relevância está no fato de, primeiro, mostrar que quando dois gestores não se entendem e se mantém intransigentes, ou seja, fechados para o diálogo, suas equipes sofrem as consequências e, por vezes, são arrastadas para um conflito que só prejudica a todos. Quando, porém, esses mesmos gestores assumem a corresponsabilidade por determinada situação, podem encontrar caminhos para relações mais construtivas. Ou seja, um conflito precisa de pessoas para seguir em frente!
Além disso, os gestores também precisam conhecer sua própria equipe e perceber onde “mora” a insatisfação, pois, uma questão pessoal pode acabar prejudicando o ambiente e as relações diárias entre pessoas e equipes.
Lapidar, um caminho precioso para relações mais saudáveis e sustentáveis.
por Ana Paula Peron
Especialista em apoiar pessoas e organizações na construção de relações mais saudáveis e sustentáveis, a partir de processos mediativos
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