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VocĂȘ decide: inflar ou lidar com um conflito?

  • Ana Paula Peron
  • 11 de fev. de 2020
  • 4 min de leitura

Ao chegar a uma grande empresa para assumir a ĂĄrea de Engenharia do Trabalho, Pedro (nome fictĂ­cio, assim como os demais citados abaixo) percebeu, como ele mesmo definiu, a existĂȘncia de uma grande “animosidade”, entre a sua nova equipe e a ĂĄrea de Medicina do Trabalho.


Ao invĂ©s de um trabalho de parceira, cada uma das ĂĄreas culpava a outra por nĂŁo atingir as prĂłprias metas e os indicadores de redução de acidentes. O clima estava muito tenso e as acusaçÔes mĂștuas acabavam comprometendo a performance do Departamento de SaĂșde e Medicina do Trabalho, para o qual ambas respondiam.


Quanto mais as acusaçÔes cresciam, tanto menos as ĂĄreas se preocupavam com o trabalho realizado e, consequentemente, com a qualidade das entregas. Pedro, de inĂ­cio, tentou encontrar uma solução, mas como resposta ouviu: “O problema nĂŁo Ă© meu”, “NĂŁo vou facilitar a vida de vocĂȘs” e “Vou fazer do meu jeito”, entre outras frases desanimadoras.


Foi quando ele me contratou para mediar o conflito existente ali, acreditando que um profissional especializado e neutro teria maiores possibilidades.

Comecei o processo entrevistando Pedro e Raul, seu par e gestor da årea de Medicina do Trabalho. Enquanto o primeiro, que acabara de chegar, queria realizar um bom trabalho e mudar o clima, o segundo, como jå não havia se dado com o antecessor de Pedro, estava mais cético e irritado com o cenårio todo. Mas, felizmente, não era refratårio às tentativas de melhorar o ambiente.


A partir das algumas entrevistas, desenhei um Workshop de dois dias, pois precisaria de tempo para “desconstruir” os preconceitos e convidar as pessoas a refletir sobre alguns conceitos relacionados Ă  dinĂąmica dos conflitos. Assim, as equipes poderiam ampliar a visĂŁo sobre a situação que viviam e encontrar caminhos para mudar aquelas relaçÔes quase inexistentes.


Para isso, propus alguns exercĂ­cios e vivĂȘncias, buscando criar um campo de conversa, no qual seria possĂ­vel abordar a situação. De todo o processo, uma atividade foi muito especial. As pessoas trabalharam em duplas, buscando:


1 – Compreender “como outra pessoa pensa”;


2 – Como as próprias atitudes impactavam “a área da outra pessoa”;


3 – O que cada pessoa sentia nesse cenĂĄrio, quais eram os entraves que prejudicavam a convivĂȘncia e o que cada pessoa precisava mudar em si mesma para criar um ambiente de conversas e trocas.


Além desse, vårios exercícios foram aprofundando as reflexÔes individuais e coletivas.


Ao final do primeiro dia, fomos surpreendidos (ou nĂŁo...) por falas como: “Nunca tivemos a chance de nos escutarmos uns aos outros, sequer nos conhecĂ­amos...” e “Eu nem imaginava que vocĂȘs passassem por situaçÔes como as que ouvimos aqui”. Enfim, as equipes reconheceram que brigavam, hĂĄ anos, sem jamais se darem uma chance de diĂĄlogo.


No segundo dia, quando as pessoas trabalhavam em pequenos grupos, com o objetivo de chegar a um consenso sobre um tema proposto, o clima esquentou: o grupo liderado por AntĂŽnio – um dos colaboradores mais antigos da empresa, que exercia uma influĂȘncia bastante grande nos colegas - nĂŁo conseguia chegar a um consenso.


Resolvi, entĂŁo, me aproximar para conversar com AntĂŽnio, buscando entender como o processo estava funcionando e se o grupo precisava de algum apoio. Das seis pessoas, cinco tinham clareza de que desejavam a mesma coisa, somente AntĂŽnio nĂŁo concordava com os demais. Ele nĂŁo deixava as pessoas argumentarem, tentando provar, por A+B, que estava certo.


EntĂŁo, sugeri: que tal vocĂȘ suspender um pouco seu ponto de vista e se dedicar a escutar as pessoas por alguns instantes, para compreender o ponto de vista deles? Contrariado, ele nem me respondeu. Se levantou e deixou o grupo trabalhando sozinho – concluindo o exercĂ­cio.


Depois de um intervalo, reuni todos os participantes para uma conversa em círculo para trabalharmos os acordos e próximos passos. Em conjunto, o grupo foi estabelecendo caminhos para acabar com a disputa e a total falta de cooperação entre as equipes e, também, como avançar em busca de processos para que as duas åreas alcançassem suas metas e especialmente que se apoiassem, afinal eram bastante interdependentes. O Workshop foi avançando com boas perspectivas.


Ao final, quando todos tinham clareza dos próximos passos, propus uma rodada final de avaliação. E, para minha surpresa, AntÎnio foi um dos primeiros a levantar a mão. Disse:

- Eu me dei conta que a minha impaciĂȘncia e a minha intransigĂȘncia se devem ao fato de que estou muito cansado. NĂŁo quero mais trabalhar, jĂĄ devia ter me aposentado. Quero ir para o Interior, nĂŁo quero mais essa vida para mim. E, ao me dar conta disso, percebi que eu estou criando entraves para todos vocĂȘs.

Sua fala surpreendeu a todos. E precisei de um tempo para entender que ela resultava de um processo de reflexão que teve início, provavelmente, nos primeiros momentos do Workshop e, especialmente, quando ele se afastou do grupo. As pessoas se manifestaram, dizendo que ele era importante para a årea e, também, para a empresa. Foram muito generosas pontuando sua importùncia. Depois de uns oito meses, eu soube que ele realmente se aposentou.


Desde entĂŁo, jĂĄ contei essa histĂłria em vĂĄrios Workshops. Para mim, sua relevĂąncia estĂĄ no fato de, primeiro, mostrar que quando dois gestores nĂŁo se entendem e se mantĂ©m intransigentes, ou seja, fechados para o diĂĄlogo, suas equipes sofrem as consequĂȘncias e, por vezes, sĂŁo arrastadas para um conflito que sĂł prejudica a todos. Quando, porĂ©m, esses mesmos gestores assumem a corresponsabilidade por determinada situação, podem encontrar caminhos para relaçÔes mais construtivas. Ou seja, um conflito precisa de pessoas para seguir em frente!


AlĂ©m disso, os gestores tambĂ©m precisam conhecer sua prĂłpria equipe e perceber onde “mora” a insatisfação, pois, uma questĂŁo pessoal pode acabar prejudicando o ambiente e as relaçÔes diĂĄrias entre pessoas e equipes.


Lapidar, um caminho precioso para relaçÔes mais saudåveis e sustentåveis.


por Ana Paula Peron

Especialista em apoiar pessoas e organizaçÔes na construção de relaçÔes mais saudåveis e sustentåveis, a partir de processos mediativos

 
 
 
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